Sobre o “Workholism sem reflexão”

O automatismo de trabalhar mais e mais

Luana Reis
Releituras da Vida

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“Chegar em casa cansada, depois de trabalhar muitas horas. O sono está atrasado. Mas não consigo dormir mais cedo. Cabeça a mil.

A pia está cheia de louça. Preciso descer com o lixo. “Ah! Uma barata! Alguém precisa limpar essa casa…!”. Nossa! Ainda tenho que fazer supermercado.

Tenho que ir ver meus pais, já faz semanas desde a última vez... O namoro está em crise. Não tenho energia. Não quero tomar decisões…

Amanhã começa de novo. Acordar cedo. Fazer o primeiro turno, depois a reunião… depois o plantão… olha uma nova oportunidade! Vou pegar se não… ficarei para trás?”

Você já se sentiu assim? Já observou alguém em situação semelhante?

Há alguns dias, estava de plantão em um hospital, como médica, e estava no quarto de descanso, dialogando com alguns colegas. Um deles começou a desabafar sobre sua vida pessoal. Contou que seu namoro estava em crise, pois ele trabalhava demais. Descansava a cada 15 dias e, quando se encontrava com a namorada, ela estava com energia no topo e ele só queria descansar.

A gota d’água foi ele contar a ela que estaria de plantão também no dia dos namorados…

Ele começou a lamentar que o relacionamento já não estava tão bom assim… e vinha a dúvida:

“Devo terminar esse namoro ou empurrar com a barriga? Ah! Mas não estou tendo tempo para nada, ainda mais para procurar uma nova companheira….! Na semana passada, logo no dia que ele ia descansar, seu chefe o convidou para participar de uma cirurgia incrível… como dizer não para isso?”

Enquanto eu escutava aqueles relatos, cresceu em meu peito uma forte angústia. O rapaz era jovem, menos de 30 anos aparentemente, e já era médico ortopedista. Isso não bastava, ele estava caminhando para uma completa exaustão, associada a uma crise profunda em sua vida pessoal. Um desequilíbrio claro na balança da vida, que pesava muito para um lado só.

Inicialmente quis ficar calada, apenas ouvindo. Porém, chegou em tal ponto que senti que precisava expressar meus pensamentos, e disse:

“Olha, eu entendo você estar se sentindo assim, de fato está com uma grande sobrecarga de trabalho. Eu não te conheço e não sei praticamente nada sobre seu relacionamento, mas fiquei te escutando contar essas histórias e algumas indagações me surgiram à mente: você está preocupado sobre não ter tempo para manter esse relacionamento e ele já não estar muito bom, e daí talvez não ter tempo para um novo processo de conquista… mas me pergunto: será que você está tendo tempo para você mesmo?

E mais… talvez dizer “não” para a cirurgia com seu chefe realmente seja muito difícil, mas se você tá trabalhando tanto, será que não tem nada mesmo aí na sua rotina que daria para reduzir ou tirar? Até que ponto você acredita que conseguirá sustentar esse estilo de vida?”

Ele ficou reflexivo e fez comentários breves concordando. Outro colega jovem escutou e concordou também, dizendo que achava aquelas reflexões muito importantes. Preocupantemente, o médico mais velho do quarto, talvez já próximo dos 35 anos — o qual dava plantões de 36h naquele hospital toda final de semana há anos — talvez até mesmo para ser coerente com suas escolhas, discordou de nós, e alegou:

“Olha pessoal, me desculpem, mas preciso dizer, eu não concordo não. Ninguém morre de trabalhar demais não.”

Virou para nosso colega em crise amorosa e disse: “Você tem que ficar com alguém que esteja em sintonia com você, que entenda seu estilo de vida.”

Nesse momento, preferi me calar e pensei: será mesmo que tem como estar em sintonia com alguém que trabalha tanto assim? Será que algum relacionamento seria capaz de resistir a isso? Por quanto tempo? E o resto da vida pessoal? A família, o lazer, o descanso? E o mais importante, inclusive, e a nossa saúde? Até quando poderemos suportar?

Esse texto não se trata apenas de reflexão, mas também de desabafo sobre um estilo de vida que observo em diversos colegas médicos (e também de outras profissões, porém essas tenho menos contato) que entram em um automatismo incontrolável, de querer mais e mais. Mais dinheiro, mais status, mais sacrifícios para ter, talvez, um prêmio futuro, deixando todo o resto de lado no momento presente. Esse automatismo que apelidei de:

Workholism sem reflexão.

A pessoa trabalha. Trabalha e trabalha. A um ponto que já nem sabe descansar mais. Não se desliga. Já não sabe de onde vem ou para onde vai. É mais fácil se manter na inércia do workholism, do que dizer não para um oportunidade de plantão, ou de participação em um cirurgia super legal!

Será que isso é realmente tão importante assim?

Do que se trata tudo isso? Aonde pretendemos chegar? Isso trás felicidade? Traz bem estar?

Como naquela famosa frase do filósofo Confúcio:

“Os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. Por pensarem excessivamente no futuro, esquecem do presente, de tal forma que acabam por não viver nem o presente e nem o futuro. Vivem como se nunca fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido.”

Reflexões semelhantes já serviram de base para textos prévios publicados aqui no blog. Porém, sinto que essa reflexão apresenta um tal valor para mim, que a cada vivência, encontro um novo aprendizado. Como uma necessidade de nadar contra correnteza, contrariando a manada. Buscar o diferente do que diz o “senso comum”.

Procurar olhar além, por trás do óbvio. Buscar pela felicidade e pelo bem estar de forma mais profunda, no aqui e agora, no momento presente — que é o único momento que de fato temos certeza e garantia, pois o futuro é incerto e não temos total controle sobre ele.

Como quero viver meus dias? Com quem quero compartilhar os bons momentos? Quanto tempo devo dedicar ao trabalho? E quanto para os outros setores da vida? Onde está o equilíbrio?

E talvez, uma pergunta que me faço com recorrência, a fim de buscar ainda mais clareza:

“Se eu for morrer subitamente nos próximos dias, eu estarei em paz com minha consciência? Estarei vivendo conforme os meus valores, respeitando as minhas prioridades e os bens mais preciosos ao meu coração”?

Jesus já dizia (Mateus 6 : 19–21):

“Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem consomem, e onde os ladrões não minam nem roubam. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração”.

Bem, isso são apenas algumas reflexões baseadas em minhas vivências. E você? O que pensa sobre?
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Luana Reis
Releituras da Vida

Releituras da vida. A arte da busca pelo equilíbrio entre o que importa e o que é necessário.